quinta-feira, março 09, 2006

Elegia

Minha presença de cetim
Toda bordada a cor-de-rosa,
Que foste sempre um adeus em mim
Por uma tarde silenciosa...

Ó dedos longos que toquei,
Mas se os toquei, desapareceram...
Ó minhas bocas que esperei
E nunca mais se me entenderam...

Meus boulevards de Europa e beijos
Onde fui só um espectador...
- Que sono lasso, o meu amor;
Que poeira de ouro, os meus desejos...

Há mãos pendidas de amuradas
No meu anseio a vaguear...
Em mim findou todo o luar
Da lua dum conto de fadas.

Eu fui alguém que se enganou
E achou mais belo ter errado...
Mantenho o tron mascarado
Onde me sagrei Pierrot.

Minhas tristezas de cristal
Meus débeis arrependimentos
São hoje os velhos paramentos
Duma pesada Catedral.

Pobres enleios de carmim
Que reservara pra algum dia...
A sombra loira, fugidia,
Jamais se abeirá de mim...

- Ó minhas cartas nunca escritas
E os meus retratos que rasguei...
As orações que não rezei...
Madeixas falsas, flores e fitas...

O que não chegou...
As horas vagas do jardim...
O anel de beijos e marfim
Que os seus dedos nunca anelou...

Convalescença afectuosa
Num hospital branco de paz...
A dor magoada e duvidosa
Dum outro tempo mais lilás...

Um braço que nos acalenta...
Livros de cor à cabeceira...
Minha ternura friorenta -
Ter amas pela vida inteira...

Ó grande hotel universal
Dos meus frenéticos enganos
Com aquecimento central,
Escrocs, cocottes, tziganos...

Ó meus cafés de grande vida
Com dançarinas multicolores...
- Ai, não são mais as minhas dores
Que a sua dança interrompida...
Lisboa - Março de 1915

in Indícios de Oiro, de Mário de Sá-Carneiro

para Marijuana

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